Terapia cognitivo-comportamental para insônia (TCC-I) é o tratamento não farmacológica para dificuldades relacionadas ao sono.
Por Luciana Azevedo Damasceno
O sono é um evento fisiológico do corpo influenciado por uma série de fatores endógenos e exógenos que formam o Sistema de Temporização Circadiano (STC) por meio de uma estrutura neural chamada de Núcleo Supraquiasmático (NSQ). Ciclo Circadiano é uma alternância entre o estado de Sono e o estado de Vigília.
Esse ciclo dura 24 horas e se inicia de novo. Eventos ambientais periódicos como o trabalho e pistas temporais ambientais ou até o próprio ato de deitar-se na cama, são capazes de sincronizar o sistema de temporização circadiano e consequentemente o ciclo do sono. Portanto os cuidados com o sono se iniciam quando se acorda. Certos eventos disfuncionais ao sono são tolerados em função da plasticidade do sistema de temporização e minimizadas pelo mecanismo homeostático.
O que é insônia?
O conceito de insônia foi modificado ao longo do tempo, adotando-se uma única definição de Transtorno de Insônia (TI) pelos últimos manuais de classificação, sendo o termo insônia comórbida considerado como mais adequado para definir as suas associações.
O Transtorno de Insônia é definido como dificuldade persistente para início, manutenção e consolidação do sono que ocorre a despeito de adequada oportunidade para adormecer e que resulta em prejuízo diurno ocorrendo por ao menos, 3 vezes por semana, por ao menos 3 meses.
Tratamento
Existem duas formas gerais de se tratar a Insônia: a não farmacológica e a farmacológica. A não farmacológica chama-se TCC-I (terapia cognitivo-comportamental para insônia), que é a conduta padrão e tratamento de primeira escolha em insônia, tanto isoladamente quanto na forma associada a terapia farmacológica. Tem baixo risco de efeitos colaterais e a manutenção da melhora no longo prazo, embora a resposta clínica seja mais rápida no tratamento medicamentoso.
A TCC-I é considerada o tratamento de primeira linha no tratamento da insônia crônica, sendo bem documentada em relação à eficácia de seus resultados em todas as fases do desenvolvimento humano. As primeiras publicações datam da década de 1960. Webb e Agnew, em 1965 e 1974, foram os primeiros a descrever a técnica de restrição de tempo na cama no tratamento comportamental da insônia.
Em 1972, Bootzin descreve a técnica do controle de estímulos e, em 1987, Spielman et al. estruturam as técnicas comportamentais de relaxamento progressivo, biofeedback, restrição de sono e as técnicas cognitivas.
Em 1993, Morin estruturou um protocolo de oito sessões da TCC-I, lançando um manual para orientar o tratamento não farmacológico da insônia com nível de descrição suficientemente articulado. Pautado em um modelo multifatorial, que detalha a influência dos fatores perpetuadores e a interação entre eles, esse modelo tem sido validado empiricamente através de inúmeros protocolos clínicos.
A TCC-I consiste em uma terapia breve, focal, diretiva e estruturada. Tem um tempo limitado e definido, aproximadamente oito sessões, e o paciente tem papel ativo e é corresponsável por seu tratamento. Os objetivos dos tratamentos não farmacológicos da insônia são:
- modificar situações e pensamentos que mantenham a insônia;
- modificar os hábitos inadequados com relação ao sono;
- reduzir o despertar autonômico e cognitivo;
- alterar crenças e atitudes sobre o sono;
- educar os pacientes sobre práticas saudáveis para o sono.
É um método baseado no modelo comportamental de Insônia proposto por Spielman, que descreve os três principais fatores causadores da insônia: predisponentes, precipitantes e perpetuantes.
O primeiro instrumento da TCC-I é a utilização do diário do Sono e focada numa sequência estruturada de sessões, onde cada encontro se dá para aprofundar um dos principais fundamentos acerca de temas pilares do tratamento:
1. Intervenção psicoeducacional
As recomendações são fornecidas em conjunto com explicações sobre a fisiologia do sono e a organização circadiana do ciclo vigília-sono. São informações básicas sobre sono e seu funcionamento para entender a as possíveis formas de manifestação da insônia.
2. Higiene do sono
São orientações dadas aos pacientes para seguir instruções básicas de mudanças ambientais necessárias e adoção de hábitos mais funcionais com finalidade de estimular a regularização do ciclo circadiano de Sono – Vigília. A higiene do sono consiste em uma intervenção psicoeducacional, que pode ser utilizada isoladamente, mas com melhores resultados quando aplicada em conjunto com outras técnicas.
3. Controle de estímulos
Consiste no aprofundamento das orientações passadas ao paciente a respeito do reestabelecimento do ritmo de Sono – Vigília mais adequado, aumentando o foco nas mudanças pessoais visando fortalecer as associações entre as pistas para um sono rápido e bem consolidado. Essa técnica favorece o estabelecimento de um ritmo sono-vigília regular.
4. Restrição de tempo na cama e de sono
Consolidar o sono por meio da restrição do tempo que o paciente passa na cama ao período médio de sono com base no seu registro no diário de sono (horas que o paciente relata passar dormindo). Limitando assim seu tempo de permanecia em sono e modificando seus horários para dormir e acordar. A restrição de sono gera privação de sono temporária, que pode ocasionar sonolência e outras repercussões no dia seguinte,
5. Técnicas de relaxamento
As técnicas de relaxamento servem para diminuir a excitabilidade cognitiva e fisiológica e reduzir a tensão muscular, favorecendo o processo de iniciar e manter o sono. As técnicas mais utilizadas na TCC-I incluem as técnicas de respiração e o relaxamento muscular progressivo. Este último constituindo uma das técnicas mais citadas na literatura no tratamento da insônia, na qual o paciente é orientado a observar a diferença entre os estados de tensão e relaxamento de alguns grupos musculares de forma ordenada, procurando manter o estado de relaxamento conquistado.
6. Reestruturação cognitiva
Leva o paciente a questionar a validade de suas crenças e/ou preocupações. Baseia-se nos sintomas cognitivos que podem ocasionar ou manter a insônia. Em geral os insones se preocupam demasiadamente com as consequências da insônia. Essa técnica baseia-se no princípio de que o pensamento ou julgamento sobre as circunstâncias da vida modulam o sentimento. A eficácia desse método se expressa na redução da latência do sono, do tempo acordado após o início do sono e aumento da eficiência do sono.
7. Intenção paradoxal
Reduz a ansiedade antecipatória associada ao medo de tentar dormir e não ser capaz de fazê-lo. Instrução para os pacientes irem para a cama e manterem-se acordados sem tentar adormecer. Esta estratégia só é empregada nos casos em que existe preocupação exagerada associada ao medo de não dormir, comum em boa parte dos insones.
8. Transtorno de má percepção do sono
Trabalha-se a relação entre a percepção subjetiva que o paciente tem do sono, comparada com o tempo total do sono, obtido por meio da polissonografia. Fazê-lo compreender que estão dormindo mais do que conseguem perceber.
9. Prevenção de recaídas
Finalmente, avaliar com o paciente as técnicas que mais gostou e mantê-las, nunca compensar perdas de sono e, se a queixa de insônia for maior do que sete dias seguidos, então fazer a privação do sono através da Intenção Paradoxal ou da Restrição de Sono.
Tratamentos farmacológicos da insônia
No caso desse conjunto de técnicas abordadas durante as semanas não surtirem efeito, parte-se para a indicação do tratamento farmacológico ou associação dos dois tipos de tratamentos.
Existem tratamento farmacológicos disponíveis no mercado, mas sua escolha sempre será definida a partir dos critérios médicos.
Resumo:
A TCC-I é o protocolo de tratamento do transtorno da insônia ou da insônia comorbida às desordens físicas ou mentais.
A TCC-I consiste em uma terapia breve, focal, diretiva e estruturada.
A TCC-I constitui o tratamento não farmacológico padrão para o transtorno da insônia e pode ser aplicada de forma individual ou em grupo.
As técnicas utilizadas na TCC-I são as técnicas de intervenção comportamental, que incluem abordagens psicoeducacionais e práticas de relaxamento, e as técnicas de intervenção cognitiva.
A utilização da TCC-I a distância vem crescendo na última década e demonstrado efeitos positivos em ensaios randomizados.
Referências bibliográficas:
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